Nas últimas duas semanas o centro da capital, Kiev, permaneceu ocupado pela polícia para impedir que os manifestantes invadissem o Parlamento e o palácio da presidência. Por isso a oposição prometeu realizar a “Marcha” com um milhão de pessoas, que com a participação dos ultra-nacionalistas do partido Svoboda , não conseguiu mobilizar que 200.000 pessoas, em maioria vindas do interior do país.
Achille Lollo (ROMA) — Os dois principais partidos da oposição, nomeadamente Bloco Nossa Ucrânia/Autodefesa Popular de Viktor Juscenko e o Partido da Pátria/Bloco Eleitoral de Julia Tymosenko decidiram enfrentar diretamente o presidente Viktor Jankovic e o primeiro ministro Mykola Azarov, após o presidente anunciar na televisão que o governo havia finalizado as negociações com a União Européia, postergando, mais uma vez, a eventual entrada no bloco dos países europeus. Além disso, Viktor Jankovic, ressaltava que era mais conveniente em termos econômicos e geoestratégicos para a Ucrânia reforçar o relacionamento com a Rússia.
Para os líderes da oposição, Viktor Juscenko e a riquerrima Julia Tymosenko – que, oficialmente, continua presa por fraude à receita — esta foi a grande ocasião para obrigar o presidente Viktor Jankovic a demitir o primeiro-ministro, Mykola Azarov e, conseqüentemente, promover novas eleições.
De fato, a oposição alimentou nos jovens pobres o mito da riqueza dos países da União Européia, que qualquer um deles podia adquirir ao conseguir emigrar com um passaporte europeu. No mesmo tempo, as mesmas fontes manipulavam os jovens dizendo que Jankovic e Azarov haveriam rejeitado a proposta de entrar a fazer parte da União Européia, antes de tudo, para vetar a imigração dos jovens ucraínos na Europa. Além disso, para acirrar ainda mais os ânimos dos manifestantes, as lideranças da oposição diziam que o presidente Jankovic havia dito não a União Européia por imposição do presidente russo Vladimir Putim.
Argumentos que provocaram uma dura reação popular e que foi muito bem aproveitada pelos canais de televisão europeus e estadunidenses para pressionar o governo da Ucrânia em libertar Julia Tymosenko, condenada por crimes financeiros quando era presidente da Companhia Geral de Energia.
Nesse contexto a manipulação do clima político foi excepcional, conseguindo empolgar os eleitores dos dois partidos da oposição e, assim, construir facilmente uma rebelião popular, que ao juntar um milhão de pessoas nas ruas de Kiev, pretendia exigir a demissão do presidente Viktor Jankovic.
Uma espécie de ruptura institucional que deveria repetir o golpe branco de 2004, chamado de “revolução laranja”, que se deu com a direita sustentação dos serviços secretos dos EUA e dos principais países da União Européia, nomeadamente: Alemanha, França, Grã Bretanha e Países Baixos. Aliás, a estreita ligação da Cia com a líder do Partido da Pátria/Bloco Eleitoral, Julia Tymosenko e o envolvimento da Freedom House na campanha dela, bem como o uso de fundos secretos para comprar os votos em favor de seu partido, foi um dos argumentos explorados pelo jornalista Georgij Gongadze, cujo assassinado, aos 17 de setembro de 2000, permitiu a Julia Tymosenko, ao então presidente Leonid Kuchma e a outros oligarcas – escandalosamente enriquecidos com as privatizações das empresas públicas – de livrar-se das pesadas acusações que o jornalista havia gravado em suas reportagens.
A importância da Ucrânia
Depois da Rússia, a Ucrânia é a nação mais densamente povoada – com cerca de 46 milhões de habitantes, dos quais um terço de etnia russa – e com mais centrais nucleares (11) construídas pela então União Soviética. De fato, o atual presidente Viktor Jankovic, assinou com a Rússia um novo protocolo para a construção de mais doze centrais nucleares, além de ampliar o acordo para o fornecimento do urânio enriquecido.
Um negócio que, juntamente ao fornecimento do gás, é o cherne das opções geoestratégicas do atual governo da Ucrânia, do momento em que foi a empresa russa Gazprom que construiu na Ucrânia todos os terminais de distribuição para abastecer os países europeus e por isso o governo de Kiev paga, ainda hoje, o gás à preço de favor (50 U$D no lugar de 230U$D).
Por outro lado, na Ucrânia há muitas empresas russas de aviação, metalúrgicas e mineração que os oligarcas ucrainos pretendem nacionalizar para depois privatizar com a ajuda de transnacionais ocidentais. Um processo que iniciou, em 1996, para depois expandir-se em 2000 quando Viktor Jankovic, foi presidente e Julia Tymosenko se assenhoreou o cargo de primeiro-ministro – até ser demitida por extrema incompetência .
Por outro lado, a azarada decisão do Departamento de Estado de apoiar a fraudulenta aventureira Julia Tymosenko, foi uma conseqüência política da necessidade dos EUA de ampliar sua influencia geoestratégica na Ucrânia e portanto estar cada vez mais perto da região do Cáucaso, onde a Geórgia, a Ossezia, a Inguscezia e a Abcasia querem romper com o protecionismo da Rússia para negociar com as multinacionais do Ocidente seu potencial de gás e de petróleo. Nesse contexto, somente um governo filo-ocidental, tal como Viktor Jankovic e Julia Tymosenko propõem, pode exigir da Rússia a saída da base naval de Sebastopoli e entregá-la à OTAN.
É claro que para realizar todas essas mudanças institucionais e geoestratégicas a Ucrânia deve, antes de tudo, sair pacificamente da orbita da Rússia. Por isso a oposição – graças ao dinheiro da ricaça Julia Tymosenko – está arrastando para a capital Kiev dezenas de milhares de ucraínos para manifestar em favor da assinatura do protocolo de adesão à União Européia. De fato, uma vez, dentro do bloco europeu, será mais fácil separar a Ucrânia da Rússia, sempre que o presidente Putim e o governo russo aceitem em silencio as jogadas políticas que os EUA e a União Européia estão fazendo na Ucrânia com Viktor Jankovic e Julia Tymosenko.
Achille Lollo é jornalista italiano, correspondente do Brasil de Fato na Itália e editor do programa TV “Quadrante Informativo”.